Wednesday, May 13, 2020

O plano

Silencio total. Estavam reiniciando o sistema do planeta que deu bug. O bug COVID-19.
O sistema estava sobrecarregado, concentrado, desigual, muita informacao deu nisso. Era óbvio que ia dar pane.

Kátia Maria ficava agoniada com a ideia de ter que ficar em casa por um dia, quanto mais uma semana, pior que isso! 3 semanas!! 3 longas semanas!! E quando nao se achava que algo podia ser ainda pior do que já estava, o governo adiou essas 3 semanas pra quase 2 meses. Sem perspectiva de quando ia voltar ao normal. Se é que ia voltar ao normal.

Em casa Kátia estava armada com tudo. Tinha o mais novo modelo de celular da Eipou, cachorrinho fofo pra abracar nas horas da agonia, uma esteira pra manter as coxas firmes, um marido que ajudava na limpeza, e milhoes de filmes, séries pra ver no Netflix, Amazon Prime, HBO, Disney plus, além de cartao de crédito sem limites pra encomendar uma nova mesa, kits e kits de maquiagens e cosméticos da Victoria' Secrets.

A segunda taca de vinho já tava quase acabando e a irritacao comecando.
- Mooooo, nao gostei desse vinho! argh...está vinagrado!
Perdeu duas horas vendo um documentário sobre epidemia.
Falou com parentes, mas a hora nao passava.
Foi aí que teve a "brilhante" ideia.
Antes dessa ideia porém, resolveu deitar. Dormir nao era algo que fazia facilmente ainda mais em tempos de inquietacao, impaciencia e raiva, muita raiva.

A casa era enorme para os dois. O marido trabalhava. Também estava preocupado com o fato de ter que reduzir gastos. O carro tinha que ir pro mecanico. Mas nao havia mecanico, nao havia porque dirigir, nao havia lugar pra ir.
- Mooo, vem cá, rápido!
- O que foi? To trabalhando!
- Ainda?! Já tá na hora de parar! - Kátia franze a testa gritando.
- Já vou.
O barulho dos pés na escada indicavam que ele nao queria ouvir Kátia gritar novamente. Ela o aguardava de camisola, sentada a beira da cama, perna cruzada:
- O que voce acha?
- O que voce acha do que?
- O que voce acha que eu vou falar?
- Sei lá! Como vou saber?
- Bom, pensei que a gente precisa fazer um dinheiro, eu nao to trabalhando, voce trabalha mas estamos tendo mais gastos...
- Ahn...
- E aí que eu pensei...
- Pensou em que?
- Vender algumas coisas. Sei lá!
- Vender o que?
- Bicicleta ergometrica, aquela mala que voce nunca usou, o seu terno...
- Voce podia é pegar reembolso daquele cruzeiro que voce pagou e a gente nao vai mais.
- Tá, mas isso nao é suficiente...  - Nesse instante, Kátia olha pro vazio com um rosto desolado.
- Entao faca as contas e me fale, eu concordo que a gente precisa fezer mais dinheiro.

Kátia nesse dia ficou sem coragem de dizer qual era a ideia que ela tinha de fato.
Porém, a monotonia era mais forte que o medo. Os remédios e vinhos eram as únicas coisas que faziam-a sair da cama.
E a ideia que ela havia adiado nao parava de alfinetar a sua mente.
Ligou para a melhor amiga pra revelar o que era. A amiga nao sabia o que dizer.

***O plano***

Kátia nao precisava de opinioes, consumida pelo próprio ócio conseguiu finalmente soltar pro marido.
O plano consistia em sair de casa no dia seguinte pela manha.
Tinham que ser rápidos e sagazes para que desse certo.
As 10 horas da noite estavam na cama, as 11 dormiram depois de ver mais um episódio de "Quem vai mitar?", reality show no estilo Big Brother, baixaria total, adoravam aquilo.
3 horas da manha um barulho repentino fora de casa. Ele se levanta, Kátia ronca. De repente, a porta é arrombada. Entram 2 homens no escuro da cozinha.
- Polícia, polícia!
Kátia acorda.
Ainda de camisola é algemada junto com o marido.
Sao jogados no banco de passageiros. Nem uma palavra, nada.

Na delegacia sao interrogados, jogados em xadrez separados. Kátia nao parece estar surpresa. Iriam pegar alguns anos de cadeia.
Mas, qual era o plano?
Especula-se entre amigos e vizinhos que os dois iriam montar a morte de uma tia de Kátia pois nao gostavam dela e queriam ficar com a heranca. Iriam aproveitar-se da quarentena para usar isto como álibi. Fazia sentido. Outros conhecidos especulavam que eles iriam mesmo é sair da cidade.
Mas, como a polícia soube? Ninguém sabe, a tal amiga de Kátia nunca foi lá grande amiga, e se encontrava desaparecida. ***Fim***



Tuesday, April 21, 2020

Renaissance

Morremos todos os dias.

A impermanencia é a unica permanente no budismo.

Sobrevive nao o mais inteligente, nem o mais forte, mas aquele que se adapta as mudancas.

Eu morri quando mudei de país.

A gente que muda de realidade muda também internamente.

Conheca o universo e conhecerá a si mesmo. Ou seria conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo?!

É preciso morrer todos os dias pra renascer. Ser, hoje, uma pessoa melhor que ontem e pior do que amanha.



Monday, March 30, 2020

Carta ao futuro

Caro futuro, 

Historiadores do futuro terao muito mais material do que jamais tiveram pra relatar o que temos hoje.
Acho que a ultima vez que algo desse tipo impactou a sociedade foi na 2GM.

A constatacao pra barrar o tédio na quarentena continua sendo a mesma de todas as minhas experiencias de tédio, a melhor coisa a se fazer nessas horas é mesmo comer. Aliás, eu cheguei a essa constatacao ainda jovem, lá pelos 15 anos, em uma viagem de onibus com um amigo. Saímos do Rio de Janeiro para Campo Grande / MS. Enquanto o onibus inteiro dormia, nos comíamos. Passamos as 21 horas(com paradas a cada duas horas pra esticar as pernas) comendo e contando piada, batata crocante, Mcdonalds, biscoito...A outra constatacao é que a companhia que voce tem no confinamento também ajuda e muito.
Hoje em dia comer tem sido problema quando se está de dieta.

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Os animais sentem que há algo estranho no ar, Chica, minha gata, nao ve as mesmas pessoas pela janela que ela via diariamente. As gaivotas também devem estar
pensando "cade aqueles bichos estranhos que hora nos alimentam, hora ficam putos quando roubamos as comidas deles? Alguma merda deve tá rolando."

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Antes de entrarmos em confinamento aqui eu já havia ouvido o relato de uma amiga nossa da Itália. Amiga essa que é super animada. Tres semanas atrás ela nos disse que a vibe lá estava estranha, entediante. E eu nao havia me convencido se ela usava o termo "entediante" adequadamente. Até o dia de ontem, primeiro domingo confinado. Ao sair de casa e nao ver nada aberto eu me entediei. A sensacao era de estar no interior do Brasil, em pleno domingo depois do carnaval. Aquela sensacao de "acabou". Aquela sensacao de "temos que voltar pra realidade".

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Historiadores do futuro provavelmente vao ter muito mais do que precisam sobre esse momento atual.
Nao vao precisar perder seus tempos lendo um blog simples como esse aqui. Mas, eu escrevo para mim antes de tudo e de todos.
As pessoas, incluindo aí um filosofo-pop, falam pra nos dedicarmos a leitura, aos estudos, aprender uma língua nova. Mas, se esquecem que pra tudo isso existe algo essencial, motivacao. E eles nao dao dicas de como se motivar. Ah, se a vida viesse com um manual de instrucoes.

Por algum motivo George Orwell tem vindo a minha cabeca constantemente. Principalmente no livro "Homage to Catalonia", especie de diário em que Orwell descreve seu voluntariado na guerra-civil espanhola, 1936. Eu acho esse periodo, 1936, particularmente fascinante. Acho que diários funcionam melhor do que muitos livros de história. Se antes eu queria ter vivido em 1936 e participado daquela guerra, lutar por uma causa, hoje penso que o clima devia ser muito mais entediante do que aquelas cenas que vimos em filmes ou livros. Estaria mais pra aquele clima de cidade interior no domingo, seja na Espanha ou no Brasil em que tudo fecha. Acho que a guerra se resume muito mais a esperar do que tomar qualquer acao. Acho nao, tenho certeza que, no meio da tensao é preciso esperar.  Ontem já passou, hoje ainda estamos no hoje, um dia de cada vez, hora após hora.

Paciencia. Paciencia que vem do Latim, patientia, sofrer. Talvez eu estude latim. Lá fora ouco ronco do motor de algum carro, é o primeiro ruído do dia, alguém testando o carro. Lembro que minha moto tá parada no quintal da casa. Talvez eu teste minha moto. Talvez uma boa leitura...


--
Antonio 

Wednesday, January 15, 2020

^Diarréia de só craque. Ou, Aquilo que diferencia, de fato, alguém de esquerda pra alguém de direita^

- Eu nao acho que ninguem devia ter uma Ferrari.
- Por que nao?
- Porque temos necessidade de dinheiro circulando no mundo.
- Mas, se eu tenho dinheiro por que eu nao posso decidir o que fazer com ele?
- Porque voce nao tem só dinheiro, voce tem responsabilidades, voce vive em sociedade.
- Entao voce acha que eu tenho o dever de dar o meu dinheiro, adquirido com o meu suor pra sociedade?
- Eu acho que todos nós temos obrigacoes, nao só direitos.
- Voce acha que se eu ganhei um milhao porque fui bem sucedido no que eu fiz, eu devo dar esse dinheiro pros outros?
- Eu acho que ser bem sucedido nao te isenta de ter responsabilidades e deveres. Pelo contrario, voce ser bem sucedido quer dizer que voce sera recompensado com papéis (dinheiro) gerados pelo Estado.
- E?
- E daí que nao é algo natural, mas sim de um conjunto de decisoes humanas para gerar aquele papel que irá te recompensar. Sendo assim, voce deve se sujeitar as regras impostas por quem te recompensa.
- Entendi, mas ainda penso que se eu to num mundo em que eu sou livre pra ser rico entao eu sou livre pra ter uma ferrari, um iate, um jatinho, uma mansao...
- Voce é livre ate que sua liberdade nao afete a dos demais.
- E em que eu afeto a liberdade dos outros tendo uma Ferrari?
- Voce deve se perguntar por que existem pessoas pobres no mundo?
- Certamente nao por culpa minha
- Entao por que?
- Porque elas nao tiveram oportunidades de serem ricas, ou conhecimento, sei lá.
- E se nao tiveram oportunidades, por que isso faltou? Será que sobrou oportunidade pra voce, visto que voce nasceu num país com mais oportunidades, teve pais que te deram educacao, enfim, teve todo um aparato pra ser rico, enquanto que esses milhoes de pobres nao tiveram a mesma coisa que voce?
- Sim, isso é verdade.
- Entao por que vc acha que vc merece mais que os outros?
- Eu acho que eu tenho direito de fazer o que quiser com o meu dinheiro. Além do mais ao comprar uma Ferrari eu to colocando dinheiro em um carro que foi produzido por pessoas, to compensando o trabalho dessas pessoas. To fazendo o dinheiro circular. Entao essa sua ideia de que o sujeito que possui uma Ferrari nao está contribuindo com uma sociedade menos desigual nao faz sentido, pois a riqueza nao anula a riqueza de outras pessoas.
- Sim, isso é verdade.
- Entao me prove ainda que eu nao posso ter uma Ferrari!
- A Ferrari que voce compra é um bem muito valioso. Como disse, o dinheiro precisa circular, uma pessoa sozinha nao devia ter mais que "X" dinheiro. Essa regra devia ser estipulada também.
- Ah, entendi, voce nao quer impedir alguém de comprar uma Ferrari, voce quer um teto pra riqueza.
- Sim!
- Concordo com isso.
- Mas esse teto devia ser abaixo do valor de uma Ferrari.
- Hmmm, nao concordo com isso.
- Voce concorda com um teto?
- Nao sei.
- Voce acabou de dizer que concordava.
- Falei? Ah, entao, acho que sim. Mas só se esse teto for acima do valor da Ferrari.
- Eu nem sei quanto custa uma Ferrari pra te falar a verdade.
- Nem eu!