Monday, March 30, 2020

Carta ao futuro

Caro futuro, 

Historiadores do futuro terao muito mais material do que jamais tiveram pra relatar o que temos hoje.
Acho que a ultima vez que algo desse tipo impactou a sociedade foi na 2GM.

A constatacao pra barrar o tédio na quarentena continua sendo a mesma de todas as minhas experiencias de tédio, a melhor coisa a se fazer nessas horas é mesmo comer. Aliás, eu cheguei a essa constatacao ainda jovem, lá pelos 15 anos, em uma viagem de onibus com um amigo. Saímos do Rio de Janeiro para Campo Grande / MS. Enquanto o onibus inteiro dormia, nos comíamos. Passamos as 21 horas(com paradas a cada duas horas pra esticar as pernas) comendo e contando piada, batata crocante, Mcdonalds, biscoito...A outra constatacao é que a companhia que voce tem no confinamento também ajuda e muito.
Hoje em dia comer tem sido problema quando se está de dieta.

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Os animais sentem que há algo estranho no ar, Chica, minha gata, nao ve as mesmas pessoas pela janela que ela via diariamente. As gaivotas também devem estar
pensando "cade aqueles bichos estranhos que hora nos alimentam, hora ficam putos quando roubamos as comidas deles? Alguma merda deve tá rolando."

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Antes de entrarmos em confinamento aqui eu já havia ouvido o relato de uma amiga nossa da Itália. Amiga essa que é super animada. Tres semanas atrás ela nos disse que a vibe lá estava estranha, entediante. E eu nao havia me convencido se ela usava o termo "entediante" adequadamente. Até o dia de ontem, primeiro domingo confinado. Ao sair de casa e nao ver nada aberto eu me entediei. A sensacao era de estar no interior do Brasil, em pleno domingo depois do carnaval. Aquela sensacao de "acabou". Aquela sensacao de "temos que voltar pra realidade".

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Historiadores do futuro provavelmente vao ter muito mais do que precisam sobre esse momento atual.
Nao vao precisar perder seus tempos lendo um blog simples como esse aqui. Mas, eu escrevo para mim antes de tudo e de todos.
As pessoas, incluindo aí um filosofo-pop, falam pra nos dedicarmos a leitura, aos estudos, aprender uma língua nova. Mas, se esquecem que pra tudo isso existe algo essencial, motivacao. E eles nao dao dicas de como se motivar. Ah, se a vida viesse com um manual de instrucoes.

Por algum motivo George Orwell tem vindo a minha cabeca constantemente. Principalmente no livro "Homage to Catalonia", especie de diário em que Orwell descreve seu voluntariado na guerra-civil espanhola, 1936. Eu acho esse periodo, 1936, particularmente fascinante. Acho que diários funcionam melhor do que muitos livros de história. Se antes eu queria ter vivido em 1936 e participado daquela guerra, lutar por uma causa, hoje penso que o clima devia ser muito mais entediante do que aquelas cenas que vimos em filmes ou livros. Estaria mais pra aquele clima de cidade interior no domingo, seja na Espanha ou no Brasil em que tudo fecha. Acho que a guerra se resume muito mais a esperar do que tomar qualquer acao. Acho nao, tenho certeza que, no meio da tensao é preciso esperar.  Ontem já passou, hoje ainda estamos no hoje, um dia de cada vez, hora após hora.

Paciencia. Paciencia que vem do Latim, patientia, sofrer. Talvez eu estude latim. Lá fora ouco ronco do motor de algum carro, é o primeiro ruído do dia, alguém testando o carro. Lembro que minha moto tá parada no quintal da casa. Talvez eu teste minha moto. Talvez uma boa leitura...


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Antonio