Friday, August 12, 2011

Anarchy in the U.K.

Ou "it is the end of the world and I feel fine", às vezes eu esqueço que esse blog também tem obrigaçoes políticas portanto ofereço-lhes um texto ótimo do jornal The Guardian e que foi traduzido no blog do Azenha que eu sigo. O texto fala sobre a atual situation in England. Enjoy it!
(link pro original: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/seumas-milne-britanico-rico-tem-273-vezes-mais-renda-que-o-pobre.html)

"Os saques refletem uma sociedade governada pela pilhagem e pela ganância

David Cameron precisa dizer que a violência não tem causa, a não ser a criminalidade — ou ele e seus amigos podem ser responsabilizados

Seumas Milne, no diário britânico Guardian

É essencial para os que tem poder na Inglaterra que os distúrbios que se espalham não tenham causa além da ferocidade maléfica dos envolvidos. Não é nada, mas “criminalidade pura e simples”, declarou David Cameron depois de reduzir suas férias na Toscana. O prefeito de Londres e, como Cameron, ex-integrante do Clube Bullingdon [um grupo exclusivo da Universidade de Oxford], Boris Johnson, vaiado por londrinos hostis em Clapham Junction, alertou que os provocadores devem parar de ouvir “justificativas econômicas e sociológicas” (embora ele não tenha explicado quem as estava oferecendo) sobre o que estão fazendo.

Quando seu predecessor Ken Livingstone ligou os ataques ao impacto dos cortes de orçamento, é como se ele tivesse botado fogo em um prédio. O Daily Mail [tablóide britânico] gritou que culpar os cortes era “imoral e cínico”, e houve um eco dos entusiastas da repressão. Não havia nada a explicar, eles insistiram, e a única resposta deveria ser dada em balas de borracha, canhões de água e tropas na rua.

Ouviremos muito mais disso quando o Parlamento se reunir — e não é difícil entender o motivo. Se estes distúrbios não tem causas políticas e sociais, então claramente nenhuma autoridade pode ser responsabilizada. E mais, com muita gente aterrorizada pelos distúrbios e frustrada com o fracasso da polícia, o governo tem a oportunidade de recuperar o equilíbrio se apresentando como uma força em defesa da ordem social, com isso restaurando sua credibilidade profundamente danificada.

Mas é uma posição que não faz sentido. Se a erupção desta semana é pura expressão da criminalidade e não tem nada a ver com violência policial ou desemprego de jovens ou a crescente desigualdade e o aprofundamento da crise econômica, por que isso está acontecendo agora e não uma década atrás? As classes criminosas, como os vitorianos se referiam àqueles à margem da sociedade, sempre estiveram conosco. E se não há relação com a divisão social selvagem da Inglaterra e os guetos da miséria, por que os distúrbios começaram em Haringey [um bairro pobre] e não em Henley [um bairro da elite]?

Acusar os que estabelecem estas ligações óbvias de ser apologistas ou “dar desculpas” para os ataques contra bombeiros ou pequenos comerciantes é igualmente tolice. Deixar de reconhecer as causas dos distúrbios é tornar mais provável que voltem a acontecer — e os ministros certamente não cometerão este erro a portas fechadas, se tiverem preocupação com seu próprio futuro político.

Aconteceu o mesmo quando distúrbios irromperam em Londres e Liverpool trinta anos atrás, também resultado de um confronto entre a polícia e a comunidade negra, quando um governo conservador estava promovendo cortes de investimento durante uma recessão. O povo de Brixton e Toxteth foi denunciado como criminoso e bandido, mas em algumas semanas Michael Heseltine [primeiro-ministro] estava escrevendo um memorando privado para o gabinete, começando com “foi preciso uma revolta” e falando sobre a necessidade urgente de ações contra a pobreza urbana.

Desta vez, os distúrbios multiétnicos se espalharam mais longe e mais rápido. Foram menos politizados e houve mais saques, a ponto de que em alguns bairros agarrar “coisas de graça” foi a principal ação. Mas não há mistério sobre a origem dos distúrbios. O gatilho foi a morte de um jovem negro pela polícia em um país onde os negros tem 26 vezes mais chances de serem parados e revistados pela polícia que os brancos. Os distúrbios que explodiram em Tottenham no fim de semana seguinte aconteceram em um bairro que tem a maior taxa de desemprego de Londres, onde os clubes de jovens foram fechados para atender a um corte de 75% no orçamento dos serviços para a juventude.

Depois os distúrbios irromperam em várias partes do que é hoje a cidade mais desigual do mundo desenvolvido — onde a riqueza dos 10% mais ricos atingiu 273 vezes a dos mais pobres — atraindo jovens que tiveram sua ajuda de custo em educação cortada justamente no momento em que o desemprego de jovens bateu recorde e o acesso à universidade foi dificultado depois que as mensalidades foram triplicadas.

Agora os distúrbios se tornaram nacionais. Mas não é que o governo não esperava por eles quando embarcou em seu programa irresponsável de encolher o estado. No outono passado a Associação dos Superintendentes de Polícia alertou sobre o perigo de cortar o número de policiais num momento em que eles seriam necessários para lidar com “tensão social” ou “desordem ampla”. Não faz tempo e os jovens de Tottenham diziam ao Guardian que esperavam por distúrbios.

Políticos e jornalistas dizem que nada disso tem a ver com adolescentes sociopatas que destroem vitrines para fugir com TVs de plasma e pares de tênis. Mas onde exatamente os jovens aprenderam que não há maior valor que a riqueza pessoal, ou que produtos de marca são a rota para a identidade e o autorespeito?

Enquanto os banqueiros publicamente pilharam a riqueza do país e não pagaram por isso, não é difícil descobrir o que levou os que ficaram de fora da festa a pensar que tem o direito de levar um celular de uma loja. Alguns dos que se envolveram nos distúrbios tornaram a conexão explícita. “Os políticos dizem que pilhamos e roubamos, mas eles são os gangsters originais”, declarou um deles a um repórter. Outro explicou à BBC: “Estamos mostrando aos ricos que podemos fazer o que quisermos”.

A maioria dos que participaram não tem nada a perder, numa sociedade que os trancou para fora ou num modelo econômico que atolou na areia. Está claro que uma Inglaterra dividida não tem condições de absorver a austeridade agora adotada, já que três décadas de capitalismo neoliberal já destruiram todas as relações sociais de trabalho e comunidade.

O que agora vemos em cidades da Inglaterra são reflexos de uma sociedade governada pela ganância — e o fracasso venenoso da política e da solidariedade social. Existe agora o perigo de que os distúrbios alimentem o conflito étnico. Enquanto isso, a fase mais recente da crise econômica que pula entre os Estados Unidos e a Europa ameaça jogar a Inglaterra na recessão ou na prolongada estagnação econômica. Estamos começando a ver os efeitos devastadores de se negar a mudar de caminho"


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